Uma vez eu recebi um vídeo do casal Ike e Tina Turner cantando Proud Mary e fiquei empolgadíssima. Procurei o álbum da dupla e ouvi todo, encantada. E aí resolvi pesquisar sobre eles, quando descobri que Ike agredia a então esposa, tendo dito, inclusive, que era normal um homem bater em sua mulher. Depois de saber disso, não consigo nem lembrar da voz dele sem me sentir mal. Passei a ouvir apenas os álbuns da carreira solo de Tina Turner, que inclusive, recomendo, e abri os olhos para não recair neste erro chamado: apreciar algo vindo de alguém que, sabidamente, é ruim. Erro que também podemos chamar de: passar pano pra gente tóxica.
Não importa se o seu ídolo é talentoso, belíssimo, genial. Se ele faz outras pessoas sofrerem, se ele é prejudicial para o bem-estar e segurança de outras pessoas, ele não merece ser aclamado como se estivesse fazendo um grande favor para a humanidade. Na verdade, ele deve arcar com as consequências, e não simplesmente se safar dos traumas e violências que impeliu a outras pessoas, tão impune como se tivesse construído um castelo impenetrável baseado em seu carisma, talento, ou o que quer que seja.
Boicotar assediadores e pessoas violentas é obrigação moral de todos e todas que se opõem a comportamentos abusivos. O silêncio é fundamental para mantê-los em sua posição confortável, pois a nossa omissão diz: "ele(a) não está fazendo nada demais", "isso é normal". Nós precisamos garantir a nossa própria segurança, e a segurança de eventuais vítimas, e se deixarmos que assediadores sigam com suas vidas e suas carreiras como se nada tivesse acontecido, estaremos permitindo que esse comportamento seja banalizado e que se repita mais e mais vezes.
É certo que depois das denúncias dos assédios nos bastidores de Hollywood, ficou difícil saber quais produções não estão envolvidas com gente do mal, mas para nos ajudar, existe um site chamado Rotten Apples, em que é possível buscar nomes de filmes ou séries para saber quais estão ligados a pessoas acusadas de condutas impróprias.
Mas essas pessoas, e neste ponto me refiro a homens famosos, também estão em outros contextos, como música e esportes. Um dia desses li um comentário em uma rede social que dizia: "nós, mulheres, não podemos ter ídolos do sexo masculino, porque cedo ou tarde nos decepcionamos." É claro que o fato de ser homem não é determinista para comportamento inapropriado. Porém é um fato que a nossa cultura ocidental, assim como muitas outras culturas, perpetra o machismo, que pode atingir mulheres de várias formas: objetificação, assédio, traição, difamação, violência.
Talvez hoje sejam um pouco menos do que já foram um dia, mas todos estes comportamentos que citei são normalizados. Prova disso é que um homem que todo mundo sabe que agrediu fisicamente sua namorada é até hoje premiado e aclamado pelos fãs. Rihanna precisou ser atendida em um hospital, depois de ter recebido socos, pontapés e mordidas do então namorado Chris Brown. Não por acaso, o cantor recentemente esteve envolvido em mais acusações de violência doméstica e de violência sexual.
Nesta semana, li o excelente "Os homens explicam tudo para mim", de Rebecca Solnit, e em determinado ponto ela afirma:
"Isso tornou claro para mim o contínuo que se estende de um pequeno incidente social desagradável até o silenciamento violento e a morte violenta (e creio que compreenderíamos melhor ainda a misoginia e a violência contra as mulheres se considerássemos o abuso de poder como um todo, em vez de tratar a violência doméstica em separado do estupro, do homicídio, do assédio e da intimidação, seja on-line ou em casa, no local de trabalho ou nas ruas; quando se vê tudo isso em conjunto, os padrões predominantes ficam bem claros)."
Solnit, Rebecca. Os homens explicam tudo para mim.
Precisamos romper com estes padrões predominantes, e por isso, eu fiz uma lista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário